.:.
TERRA ESTRANGEIRA
De tempos em tempos, tenho insônia. Diante desta condição, antes da Anete pedir para que eu parasse, costumava fumar. Ela também, até ver um daqueles pulmões nicotinosamente enegrecidos na TV e ficar apavorada, largando e fazendo-me largar com a promessa de um capuccino gratuito às sextas, em nome da camaradagem.
Para passar o tempo, resolvo cozinhar e descubro um buraco no fundo de uma das panelas que esqueci no fogo dia desses. Sou um desatento cozinheiro, propenso a incendiar o apartamento, portanto é melhor recorrer aos instantâneos. Abro a dispensa: praticamente vazia. E o pior: sem miojo. Tenho um amigo brasileiro que os trouxe aos montes, com medo de não encontrá-los aqui e morrer de fome. Pois eu não trouxe e não sei de nenhum mercado aberto ao qual valha a pena ir só para comprar comida. Melhor voltar para a cama e tentar dormir à força.
Quando estou quase conseguindo, tocam a campainha. Desço a escada de dois em dois degraus, quase torcendo o pé no último. Abro a porta. É Anete, voltando do trabalho.
- Desculpa se te tirei da cama. Esqueci as chaves no trabalho, acredita?
- Tudo bem. Na verdade, você me fez um favor.
- No trabalho. Todas as chaves. De novo. – bufa.
- Entra. Você pode dormir na minha cama.
- Obrigada, mas não é para tanto. Me ajeito em qualquer canto.
Moramos num prédio de três andares, cuja maioria dos moradores é brasileira. Conheci Anete ao visitar o Café no qual trabalha e fazer o pedido em português devido à força do hábito, deixando-a eufórica com a descoberta de um conterrâneo. Posteriormente, nos tornamos vizinhos e grandes amigos.
- Trouxe o capuccino. Quer?
- Não fosse isso, talvez não tivéssemos o que comer. Os miojos acabaram.
- E você dizendo para que eu não me incomodasse... Deixa que eu preparo. – adentra a cozinha, sumindo do meu campo de visão. De lá, grita: – Nossa, que buração na sua panela!
Munidos de capuccino fumegante e biscoitos que resgatamos das profundezas da dispensa, conversamos longamente. Repentinamente, Anete diz:
- Sabe?, quero voltar para casa.
- Não seria ir para casa?
- Não. Voltar.
- É só por essa noite. Passa rápido, você vai ver.
- Não. Voltar para o Brasil.
Emudeço.
- Amo aqui, mas sou de lá. Compreende?
- Acho que sim.
- Pois é. - suspira.
- Você... – receio em perguntar - ...já marcou a viagem?
- Não. Na verdade, nem sei se é mesmo isso o que quero. E essa inconstância acaba comigo. – diz, pendendo a cabeça para trás. Depois, recoloca a xícara no pires e levanta bruscamente. - Esquece essas bobagens que te disse, tá? Vamos dormir. Já é madrugada.
- Não são bobagens.
- São sim. Olha, acho que o Sol vai nascer.
Abro a janela, constatando o avanço das horas. Ela se aproxima e observa comigo as poucas estrelas restantes. De repente, Anete gargalha.
- Sabe o que queria fazer agora? Fumar.
.:.
Prazo de validade: 27/07/09
#update: agradeço todos os comentário nos dois últimos posts. Estou bastante atarefado com o trabalho desde ontem [domingo], vários eventos pra fazer cobertura, entrevistas, matérias... Espero que compreendam a minha ausência, por enquanto. Final dessa semana acho que consigo por em ordem esse "ponto de continuação".
5 comentários:
Uma pena este encerramento. Adorava ler e, principalmente, produzir os Sopões. Por fim, fico honrada em encerrar esta saga de ótimos textos que deixará muita saudade.
Abraços!
Eu gostava dos Sopões,viu.
Que pena acabar...e a Paloma fechou muitissímo bem este ciclo que você me convidou a iniciar. hehehe
O que virá no lugar do Sopão? A seção da escola?
Abraços
Concordo com a Natalia, algo tem que vir no lugar do Sopão, alguma nova sessão!
tudo acaba, até o sopão.
mas não deixe acabar, transforme em outra coisa, invente outra receita, faça de outra maneira, assim teremos novos posts interessantes.
abs
Eu fiquei triste!
Malvado!
Postar um comentário