segunda-feira, 1 de junho de 2009

SOPÃO DO DANILO CORCI

E como já é de praxe... Os miojos da semana retrasada, foram:

18/05/09
Mandar e-mail de corrente isso ela se lembra.

19/05/09
Com fome!

20/05/09
Preciso de menos planejamento e mais aproveitamento.

21/05/09
Coisa mais sem graça andar de guarda-chuva na chuva.

22/05/09
Memória SDRAM PC 133: Aceitando doações!

23/05/09
No almoço miojo com ovo e frango frito.

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Fregueses, o Danilo Corci, da editora MOJO Books, preparou um Sopão requintado. Por favor, quem estiver com fome acalme-se, comporte-se e deguste a iguaria na "fineza", com direito a dedinho mindinho esticado e tudo. Mas chega de papo e vamos saber qual o ingrediente utilizado:


Jogos de crianças

A rua de paralelepípedo ecoava o chapinhar do jovem. Aperta, quase em penumbra de um início de manhã, o silêncio ensurdecedor dava um ponto de interrogação à mente dele. Nem pássaros cantavam. Entre as paredes que delimitava o caminho, flores morriam em profusão. As que estavam na sombra e as poucas que pegavam pequenos raios de sol que ameaçava furar o bloqueio das nuvens matinais.

Entre o deslizar molhado, chegou a Plaza em ruínas. Pequenas crianças sentadas de olhos fechados faziam roda à mesa e duas cadeiras no centro do espaço, em cima de algo que lembrava vagamente um sacro altar. O jovem não teve dúvidas que uma das silhas era para ele. O silêncio parecia gritar mais alto, quebrado apenas por pequenas risadinhas pinçadas daquelas crianças aleatoriamente. Tranquilamente, aproximou-se para sentar. Sacando de seu bolso, um cigarro apareceu, com um clique acendido. A agitação das crianças aumentou. Gritinhos, miniberros.

- Me dá!

O jovem sem se abalar fez uma chuva de cigarros sobre os infantes, que se debatiam para pegar os enrolados. Profusão de fumaça.
A mulher se aproxima, nua, sem fazer barulho. Na mão esquerda usa um anel com um gancho engastado. Não era novidade, este era um método bem prático dela agir. Um show único, diria.

- Bom dia.
- Bom dia, moça.
- Então você resolveu vir para a partida?
- Claro. Adoro jogos, você bem sabe disso.
- É, eu sei. Eu vi no espelho.
- Ah, você e suas perseguições baratas de charneiras.
- Nunca persigo ninguém, você bem sabe. Eles é que aparecem para mim.
- Claro, claro.
- Tenho lá culpa de ser uma Perpétua?
- Culpa? Nunca. Mas, teoricamente, já te eliminaram da brincadeira antes.
- Eliminar é impossível. Transfiguro-me, me transformo, sou muitas, mas sempre a mesma. Isso aqui é apenas uma representação, o que você pode suportar, mas não é minha face de verdade. Vê-la seria impossível, até mesmo para mim e meus irmãos. Um deles tentou, ah, coitado, catastrófico, e sumiu.
- Isso, definitivamente, não me interessa.
- Eu sei, mas veja de todo modo.

Espelhos flutuantes desciam e subiam em confusões de tempo e espaço. Rostos disformes, belos, feios, sujos, limpos, chorosos, risonhos. Cínicos e humildes. Tudo ali para a contemplação platônica da mulher. Sem dúvida, o campo, o jardim de brincadeiras de amor da senhorita Desespero.

- Engenho barato para agarrar corações. Não sou dos Não-Perdoados.
- Ah, sempre funciona. Meu cinza é eterno, rompante de sincronicidade estonteante. E de espelhos também.
- Pode ser. Mas vim aqui para jogar.
- E o quê?
- Eu tenho uma sugestão.
- Fale
- Jogo de criança. Sorte, sincronicidade, coincidência, comosgonia, cosmologia, astrologia, qualquer coisa. Não e não. Não confio em você. Já vi diabo virando borboleta, mas em você, não confio mesmo.
- E qual seria o jogo?
- Tente me derrotar ao me encarar.

O quê? Um jogo de sério com Desespero? (adendo de narrador que deseja interferir só um pouquinho porque aprendeu muito cedo que Grant não é só uma marca de uísque).

E durante um dia inteiro, uma noite e um início de nova manhã, o sonho de um marxista português ganhou coro forte com outra irmã entrando em descanso. Ao redor do mundo, já não havia mais vesânia. Suicidas, cercados, explosivos. Todos respiravam novamente. Até o homem-inseto levantou-se em homem novamente e desistiu da burocracia.

Lá, na Plaza, o olho vermelho do jovem deixava escorrer somente uma lágrima. Não podia piscar, claro, seria a derrota. E, aqui, não haveria melhor de três. Haviam proseado a noite toda, agora não restava muito mais o que falar. Preocupavam-se apenas em ganhar.

- Bom, acho que é hora de acabar com isso.
- Justo. Foi meu irmão que colocou na sua cabeça que você poderia me vencer?
- Não. Converso com ele sobre outras coisas, mas isto não.
- Está desistindo então?
- Não. Mas vou vencer.
- Nos sonhos, talvez.
- Não. Vou vencer. Sabe por quê?
- Por quê?
- Porque você também é esquecida, ah, as malditas arestas. Porque vocês nunca prestam atenção aos detalhes?
- E qual seria este detalhe?

Com uma pedra que retirou do bolso, o jovem atirou contra um espelho, que moído, fragmentou-se em profusão de explosões. As crianças chiaram, guinchos. E Desespero piscou.

- Nada como fazer o óbvio diante de ti.
- Você trapaceou!
- Claro. Eu disse que não confiava em você, mas você não disse que não confiava em mim. Tão cheia de si, perdeu.
- Você trapaceou!
- Sinto muito, sem regras, você aceitou. Sem condições, sem tratos.
- Maldito seja.
- Sim, e agora com sete anos de azar.

Lá, o cinza persistia. Ele pensava na fome gigantesca que assomava seu estômogo. Sua mente ecoava "Com fome, com fome, com fome". As crianças-cigarros cantavam:
"A cigarette burns me I wake with a start
My hand doesn’t hurt but there’s pain in my heart
Awake or asleep every memory I’ll keep
Deep in a dream of you".

No mundo, nuvens se formaram. E aqueles que respiravam antes, voltaram a sentir um dedo apertando o coração.

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O próximo Sopão contará com a irreverente presença do colega Frango. Vamos ver se ele vai usar caldo de galinha ou não. Suponho que seja difícil, só se for daquela galinha gorda e cheia de celulite que ele tanto odeia!

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