Os Miojos da semana retrasada foram esses:
04/05/09
Recebi um telefonema desconcertante hoje, mas bom!
05/05/09
E eu achava que enxergava bem. Agora as letrinhas estão mais nítidas.
06/05/09
Fome, fome e fome!
07/05/09
Pra mim só sendo Rexona mesmo.
08/05/09
Isso é inveja... Tira o olho, pô!
09/05/09
(sem miojo)
.:.
Vamos saber agora qual o ingrediente usado pela Paloma, em seu delicioso Sopão. Por favor, sirvam-se:
Tendo sido meu bisavô marinheiro, percorreu todos os extremos - e, seduzido pelo caloroso e calorento território brasileiro, deixou a Noruega para trás para formar família com uma mestiça. Porém, apesar de todos os filhos e netos terem nascido brancos, apenas eu, a única bisneta, herdei sua palidez doentia e seus cabelos ruivos que nunca vi, pois as fotos mostravam-no apenas tão brancos que parece uma extensão da pele. E assim foi durante boa parte da minha vida, até que no primeiro dia de aula da faculdade de jornalismo, ele adentrou a sala. Quase tão pálido, mas tão ruivo quanto eu.
Tornamo-nos grandes amigos de imediato, e muita gente pensava que éramos primos. Quando decidiu trocar de área e de faculdade para ser ator, os horários irregulares, viagens e, posteriormente mudanças freqüentes de república, resultaram em total afastamento.
Tem coisa que acontece e a gente não entende como não tratou de evitar. E esta foi uma delas.
Terminada a faculdade, começou a empreitada de construir a vida sozinha. E era só que estava, como sempre, tratando dos afazeres domésticos, utilizando a vassoura ora como microfone, ora como parceiro de dança para a música de baile sessentinha, quando o telefone tocou. Largo a vassoura, corro pra abaixar o volume, atendo.
- Sofia? Sou eu.
- Eu quem?
- Eu. Denis.
- ...
- Denis. O ruivo.
Gelei. Céus! Denis!
- ...Denis? Você? Não acredito! Quanto tempo!
- Sim. Sou eu. Acredite. Quanta originalidade.
Fiquei em dúvida quanto a ele ter sido seco ou apenas irônico. Não dei importância. Estava felicíssima.
- Como você está, rapaz?
- Bem... Estou de volta, apenas para rever minha família, mas queria aproveitar para rever-te também. Tem a tarde de hoje livre?
- Sim. Aonde? Que horas?
- Você decide.
- Pode ser no parque, o que fica perto da faculdade, às 16hs?
- Está marcado. Até!
Pretendia falar, mas calei-me. Ele já havia desligado.
Parque que fica perto da faculdade, 15h45min, lugar fresco, tranquilo e seguro. Deveras agradável.
Enfim avisto-o. Impossível não reconhecer aquela cabeleira alaranjada, não importando quão longínqua esteja. Sei bem como chama atenção. Uma mulher está ao seu lado. É sua irmã? Ela estava grávida? Não, não é sua irmã.
- Olá, Sofia! – acena. Vira-se. – Esta é minha esposa, Cláudia, e esse é o nosso Júnior.
- Olá! – Cláudia me cumprimenta com simpatia polida. É alva, tem olhos e cabelo pretos, une simplicidade à sofisticação com exímio. E tem no colo um Denis em miniatura: mais um representante ruivo para dar continuidade aos nossos genes recessivos.
- Olá, Cláudia. Você e seu bebê são lindos!
- Muito obrigada.
A conversa abrange banalidades, até que o Jr. mostra interesse em passear e a mãe se afasta com ele.
- Nossa, Denis, não fazia idéia de que você tinha formado família.
- É. Cláudia é incrível e me deu um filho lindo. Não poderia estar mais feliz.
- Certamente.
- Mas e você, o que anda fazendo? Ainda escreve para suplementos literários? – desdenha.
Encaro-o com ar cauteloso por poucos segundos.
- Não, mas ainda trabalho com redação. E com fotografia, também. Enfim, faço meus freelas me sustento.
- SÓ isso?
- Acha pouco? Não tem idéia de como me desdobro para conciliar meus projetos.
A hostilidade agora é nítida. No entanto, desconheço seu porquê. Ainda assim, não me permito ficar por baixo.
- E você? Conseguiu a proeza de ser promovido a figurante de novela das sete?
- Larguei o teatro. Formei-me em Economia recentemente.
Aquilo me preocupou.
- Economia? Mas, nossa, você se mostrou sempre tão amante do teatro.
- Tinha um filho a criar, e o teatro não me ajudaria financeiramente a fazê-lo.
- Compreendo.
Hiato silencioso. Ele retoma:
- Você vai ficar nessa vida para sempre?
Esta conversa está me dando nos nervos.
- Se vou ou não, foda-se. Agora, me diz uma coisa: o que está havendo? Porque o deboche com minha vida profissional?
- Profissional aonde? Você mesmo disse que não é freelancer?
- Sou, sim, mas trabalho tanto ou mais quanto um profissional qualquer. E eu quis assim. Eu quis ter a vida que tenho. Quis sair de casa, quis não engravidar, quis trabalhar com o que acredito fazer melhor, e ponto. Simples.
- Não meta minha mulher e meu filho nisto!
- E eu lá estou? Ao que me parece, sua realidade é maravilhosa, e não a desmereço, mas obviamente ela não condiz com a minha. No entanto, estou muito bem assim. Se você não está bem por mim, fique por si e estamos entendidos.
Cláudia retorna. Suspeito que ela constatou algo de errado com nosso diálogo.
- Amor – pega o filho no colo -, vamos, tenho que ajeitar as coisas ainda.
- Mas já? Você e sua amiga mal se falaram. – Cláudia nos olha, à procura de resposta para a indagação. Não encontra.
- Para onde vão se mudar? – perguntei meio sem saber porquê, visto que queria é que ele sumisse da minha frente.
- Vou mudar de estado. – explicou sem me olhar, ajeitando o boné na cabeça do filho. – É necessário concreticidade – aí sim me olhou, despreziva e desprezoriamente. Péssima expressão para registrar como a última.
Despedi-me de sua mulher, acarinhei os cabelos da criança, dei as costas para Denis e fui. Não tinha forças para ser hipócrita depois de tudo isto.
No entanto, não pude deixar de olhar para trás e desejar boa sorte.
Cláudia virou e agradeceu, acenando e sorrindo. Denis ameaçou virar-se também; decidiu seguir caminho.
Pergunto-me, vendo-os se afastar, se não devia ter me despedido dele, que para bem ou para mal fora meu grande amigo na adolescência. Concluo que recebi um telefonema desconcertante hoje, mas bom! Suas primeiras palavras carregavam a efusividade do amor fraterno.
O restante da ligação, entretanto, foi um adeus resignado a este mesmo amor.
.:.
Próximo a fazer o Sopão: escritor pauloafonsino Rubervânio "Rubinho" Lima.
4 comentários:
Adorei o sopão da P.
Muito bom, mesmo. Parece aquelas romances que a gente assiste em filmes, os quais adoro.
BjO
Como é fantástica a criação literária, hein? Quem não te conhece não vai perceber, mas quem conhece a Paloma e ler o seu texto, como eu, vai achar suas vontades, preferências e vivências. Isso não é ruim não, você não ter muita experiência, nem precisa. Junta-se um tiquinho daqui, um tiquinho dali e se tem um belíssimo texto maduro.
Já tô cansado de falar isso, mas quando leio os seus textos eu viajo, me transporte e faço o cenário, visualizo as feições dos personagens... Dessa vez no início do texto, me vi diante de um navio gigante, num cais enorme, rodeado de velhinhos de cabeça branca e suas boinas. Ah, preciso falar também da perfeição da intensidade que ela conseguiu passar na discuçãozinha. O "foda-se" e todo desenrolar ficaram ótimos.
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Parabéns, Paloma e muito obrigado por ter contribuído com o seu Sopão.
:)
Caramba, gente...
essa menina se saiu mais do que bem...
Gostei da história, viu, senhora P.
muito criativa e que nos deixa querendo concluir a trama, no decorrer da leitura, mas surpreende-nos.
Parabéns...
Me deliciei com essa sopa...
Daqui a pouco vem a minha, oras...:)
Já comprei o pacotinho das de letrinhas e estou lendo o "Modo de Fazer", na embalagem. A panela já tá no fogo, espero que acerte no preparo...rsss
Acho que se não sair ruim, sai boa, com certeza, né?
Saudações Virtuais, Marcão e visitantes...
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